Do Jurisdicionado Excluído Digitalmente

Têm-se inúmeros benefícios em razão do uso dos meios tecnológicos no Poder Judiciário, que devem ser usufruídos por todos os cidadãos – preocupação intensa e latente nas atividades exercidas pelos servidores e colaboradores, ante a dificuldade imposta no acesso aos meios digitais aos indivíduos mais carentes.

A prestação jurisdicional está sob constante adaptação, sobretudo, em razão da transformação digital, que afeta a prática eletrônica dos atos processuais, bem como o cumprimento digital de ordem judicial. Nesse contexto, têm-se estudos, em escala mundial, acerca da justiça digital (e-justice) 1 e o efetivo acesso à Justiça 2, visto que a jurisdição está sendo aplicada e exercida de forma remota, on-line e via plataformas eletrônicas, ensejando a denominada jurisdição digital.

No âmbito local, o Programa Justiça 4.0, desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tem foco na promoção de inovações tecnológicas e modernização do Poder Judiciário, buscando atender a melhor experiência dos usuários no que tange aos aspectos de usabilidade e acessibilidade, em virtude da transformação digital vigente 3. Este ainda vem transformando a atuação da prestação jurisdicional para o contexto digital mediante a implementação de alguns serviços, como, por exemplo, o “Juízo 100% digital” 4, o “Balcão Virtual”[5], os “Núcleos de Justiça 4.0” 6, as “Salas Passivas” 7 e o “Cumprimento digital de atos processuais” 8, em diversas Resoluções editadas em prol da modernização dos serviços judiciais.

Nesse novo paradigma, tem-se a necessidade de verificar os impactos ao sistema de justiça brasileiro, ante as desigualdades sociais e econômicas, para a atuação dos profissionais do Direito e, principalmente, aos cidadãos mais vulneráveis – reconhecidos como excluídos digitais. De fato, a disponibilidade tecnológica não é igualitária aos cidadãos, principalmente, aos mais pobres, devido à indisponibilidade de recursos e ao desconhecimento e à inabilidade informática, resultando em uma barreira ou divisão digital em virtude do viés tecnológico.

A natureza compulsória do meio eletrônico – também promovida pelos efeitos da Coronavirus Disease 2019 (Covid-19) – evidenciou a vulnerabilidade digital ou tecnológica entre aqueles que não detêm os recursos pertinentes. Dessa forma, o jurisdicionado excluído digitalmente pode ser entendido como aquele que não possui acesso aos meios digitais ou que não dispõe de instrumentos de tecnologia (acesso à internet, pacote de dados, por exemplo) ou que não tem habilidade ou conhecimentos digitais das plataformas existentes, além de ínfimas condições de acesso às mesmas.

Em larga medida, por meio da Resolução 341, de 07 de outubro de 2020, o CNJ determinou aos Tribunais brasileiros a disponibilização de salas para depoimentos em audiências por sistema de videoconferência, a fim de evitar o contágio pela Covid-19 9. Tal medida teve por intuito, além de evitar o contágio pelo novo Coronavírus, conferir a continuidade da prestação jurisdicional, sobretudo, nos atos processuais que necessitam a realização sessões virtuais de audiência, bem como atender ao disposto no art. 7º do CPC, que assegura às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.10

Aqui vale destacar a possibilidade de o servidor acompanhar o cidadão que necessita de assistência, fazendo uso de salas de videoconferência (“salas passivas”), disponíveis para as mais diversas necessidades digitais, em prol da total participação virtual do jurisdicionado excluído digitalmente. Esta louvável iniciativa tem por anseio minimizar a questão da brecha digital 11, que pode prejudicar ou afastar o cidadão dos serviços judiciários. De fato, a garantia da acessibilidade processual é um direito humano, não podendo ser apenas superficial, no sentido de somente ser declarado, mas sim, efetivamente aplicado, de modo que qualquer cidadão possa recorrer ao Poder Judiciário quando se sentir lesado.

Revela-se, por fim, que tal preocupação não é recente, pois desde a implementação do processo eletrônico no Brasil, tem-se a previsão de disponibilização de recursos telemáticos aos usuários e, principalmente, aos idosos – que detêm maior carência no trato com os sistemas eletrônicos vigentes, conforme predispõe o art. 199 do CPC, in verbis:

Art. 199. As unidades do Poder Judiciário assegurarão às pessoas com deficiência acessibilidade aos seus sítios na rede mundial de computadores, ao meio eletrônico de prática de atos judiciais, à comunicação eletrônica dos atos processuais e à assinatura eletrônica 12.

e o art. 18 da Resolução CNJ 185, de 18 de dezembro de 2013, in verbis:

Art. 18. Os órgãos do Poder Judiciário que utilizarem o Processo Judicial Eletrônico – PJe manterão instalados equipamentos à disposição das partes, advogados e interessados para consulta ao conteúdo dos autos digitais, digitalização e envio de peças processuais e documentos em meio eletrônico.

§ 1º Para os fins do caput, os órgãos do Poder Judiciário devem providenciar auxílio técnico presencial às pessoas com deficiência ou que comprovem idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. (Redação dada pela Resolução nº 245, de 12.09.16)

§ 2º Os órgãos do Poder Judiciário poderão realizar convênio com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ou outras associações representativas de advogados, bem como com órgãos públicos, para compartilhar responsabilidades na disponibilização de tais espaços, equipamentos e auxílio técnico presencial 13.

Diante do exposto, têm-se inúmeros benefícios em razão do uso dos meios tecnológicos no Poder Judiciário, que devem ser usufruídos por todos os cidadãos – preocupação intensa e latente nas atividades exercidas pelos servidores e colaboradores, ante a dificuldade imposta no acesso aos meios digitais aos indivíduos mais carentes. E em razão da Covid-19, sentimentos de resiliência, ressignificação e empatia são, sobretudo, valores a serem exercidos e compartilhados nas atividades de julgamento, audiências e sessões virtuais.

DR. TIAGO CARNEIRO RABELO

Analista Judiciário do TJDFT, Professor de Processo Eletrônico da ESA/DF (OAB/DF), Autor “Manual do Processo Judicial Eletrônico” (Ed. Verbo Jurídico).